Não escolhi
nascer mulher e, na verdade, durante mais da metade da minha vida não aceitava
essa fatalidade muito bem. Eu queria ter nascido homem. Eu não me identificava
com "ser feminina". Para mim, isso era sinônimo de fraqueza! As
meninas, ao meu ver, estavam sempre preocupadas com coisas fúteis. Unhas,
cabelos e roupas não me seduziam. Eu queria fazer revolução! Che Guevara era
meu ídolo. Eu queria mudar o mundo, queria acabar com a guerra da Chechênia,
queria entender a atrocidade do Holocausto e o que me ofereciam era qual sapato
combinaria com qual bolsa!
Minha
adolescência foi bem difícil por isso. Achava que tinha nascido no corpo
errado. Me via um macho num corpo de fêmea. Me masculinizei nas roupas, no
comportamento, querendo com isso dizer: "ei, eu não sou fraca! Não sou
como 'elas'." Eu queria dizer: "Eu sou mais do que isso, sou mais do
que uma simples mulher!". Eu queria respeito por ser quem eu era. Queria
respeito porque eu tinha outras preocupações, porque não ficava imaginando
quantos filhos iria ter.
Me indignava
ver que as mulheres à minha volta resumiam o sentido de suas vidas a um homem.
Elas viviam em função deles. O cabelo, a unha, as roupas eram para eles. E
eles, as usavam, riam delas, debochavam e sempre as tratavam como fracas,
choronas, mulherzinhas. Eu não queria isso, queria ser tratada como igual.
Por fora eu
era toda revolta. Forte, decidida, feminista convicta, berrando pra quem
quisesse - e quem não quisesse - ouvir que mulher não precisa de homem, que
somos iguais, temos direitos iguais. Mas por dentro, o que eu mais queria, lá
no fundo, onde ninguém podia ver, o que eu mais queria era ser amada do jeito
que eu era. E ainda quero. Quero ser amada com as minhas incoerências, com as
coisas que combinam e as que não, com meus erros e acertos. Queria ser aceita.
Mas alguém
viu. E eu fui. Fui amada, desejada, planejada. Fui aceita. Fui recebida sem
nenhuma exigência. Acolhida. Respeitada, enfim. E esse amor que não exigiu nada
em troca acabou recebendo tudo. Esse amor que nunca exigiu que eu usasse saia,
me tornou capaz de usá-la. Esse amor que nunca exigiu que eu andasse com outras
mulheres, me fez amá-las. Esse amor que nunca exigiu de mim ser dona-de-casa,
me fez querer aprender a ser. Esse amor que não me pediu nada em troca, me fez
querer entregar tudo, e ainda é pouco.
E hoje eu vivo
para ele. Não apenas minhas roupas e cabelos, mas o sentido da minha existência
se resume a ele. Ele me comprou e eu gostei. Fui presa no seu amor e encontrei
liberdade. Hoje sou livre. Posso ser mulher. Não a mulher que o mundo diz que
devo ser, mas a mulher que ele quer que eu seja e me formou pra ser. Tenho
prazer nisso. Não é uma obrigação ou um peso, é meu propósito. Não nasci no
corpo errado. Meu corpo é perfeito para o que ele deseja de mim. Minhas
preocupações não estão erradas, esse mundo é que está distorcido e não sabe o
que é ser mulher de verdade.
Nesse dia das
mulheres quero agradecer a um homem. Jesus, meu amigo, meu amado.