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domingo, 12 de julho de 2015

#Eu já sabia! - 1 Rs 16.34


Hiel pode ter pensado: "Tô sentindo de Deus um chamado para uma grande obra: Serei aquele que vai reconstruir Jericó! Oh, glória!". E fez tudo para realizar seu projeto. Enfrentou dificuldades, com certeza. Deve ter tido que "orar e jejuar" muito, porque essa não era uma tarefa fácil. Além disso, vez ou outra, se levantava um invejoso, enviado do inimigo, sem visão nenhuma, dizendo que aquele projeto não era de Deus! Vê se pode! Hiel deve ter pensado: Deus nos deu Jericó. Ela é nossa! Vou reconstruir os muros pra todos verem que tomamos posse da herança que Deus nos deu! Imagino que quando, na colocação dos alicerces, seu filho mais velho morreu, ele deve ter pensado: "Que batalha! Mas quando o inimigo se levanta é porque estamos no caminho certo!" E continuou. Cheio de fé. E, com muita luta, e mais algumas perdas, concluiu a obra que Deus havia posto em seu coração. #sqn

Só que não mesmo. Óbvio que a história acima é pura imaginação. Mas poderia ter sido assim. Na verdade, essa história acontece, exatamente dessa maneira, muitas vezes em nosso tempo. De repente, um projeto vem ao nosso coração para ser realizado e, quase que imediatamente, o atribuímos a Deus. Como se, assim, automaticamente, os nossos desejos, as nossas ideias, fossem as ideias de Deus. Como se não pudéssemos ter ideias nossas mesmas. Como se tudo que pensamos fosse inspiração divina... E aí, tomando como verdade que aquela ideia é de Deus, interpretamos tudo que acontece a nossa volta a partir dessa "verdade". Os críticos, os que são contra, são enviados do inimigo para nos fazer desistir. As situações contrárias, os fracassos da caminhada, são armadilhas do inimigo para nos fazer parar. As lutas, as perdas, tornam-se indicações de que o inimigo está furioso conosco...

Quando ouço argumentos desse tipo fico a pensar em quais seriam as explicações se tudo desse certo. Se as coisas fluíssem, se a maioria aderisse à ideia, se não houvessem perdas... Provavelmente as explicações seriam semelhantes, como algo do tipo: "viu como Deus está nesse negócio!" resumindo, as circunstâncias, boas ou ruins, não são um carimbo de aprovação ou rejeição de Deus. Até podem ser, mas o fato é que posso interpretá-las como eu quiser! Então, se meu coração está todo cheio de si mesmo, vou sempre interpretar as situações segundo minha própria vontade!

Mas eu quero chamar atenção aqui para outro ponto. A ideia, o projeto. O problema, a meu ver, não está em ter uma ideia, um projeto - podemos tê-los! E os teremos! Deus nos deu ma capacidade criativa espetacular. Podemos ter uma ideia abençoada, mas ela não é, necessariamente, um mandato divino! O problema é que atribuímos, precipitadamente, a Deus coisas que são nossas, humanas, mas que não deixam de ser benção por isso!

Pois, a meu ver, existe uma diferença entre: "Deus me deu um projeto a realizar!" e "Tive uma ideia e quero realizar!". No primeiro caso, estou incumbida de um mandato divino. E tudo que se levantar contra o projeto que estou realizando está se levantando contra o próprio Deus! O que pode brotar de uma situação dessas? Prepotência, inimizades, disputas, egocentrismo... E o pior, o nome de Deus tomado em vão. Porque, se ao final, há o fracasso, o nome de Deus é que fica ridicularizado.

No segundo caso, por outro lado, tive uma ideia que quero realizar. Ela pode dar certo ou não. Ao longo do processo posso claramente identificar que aquilo não era tão bom quanto eu tinha imaginado. Ou posso, ao longo do processo, receber lampejos da revelação divina que tornarão o projeto inicial cada vez mais abençoador. O que pode brotar disso? Humildade, submissão ao senhorio de Deus, relacionamento (posso ouvir o outro, inclusive as críticas), entre outras coisas boas. Acho que o pior fruto, o "fracasso" completo, também geraria coisa boa: aprendizado!

Mas o Hiel, lá da história, deu mole demais! Já estava escrito que esse projeto não daria certo. Já estava lá que não era de Deus! Qualquer um, ao final, poderia levantar a plaquinha: "Eu já sabia!" Muitas vezes podemos poupar choro, sofrimento, fracassos, frustrações, "só" lendo a Bíblia, guardando as profecias (antigas e contemporâneas), só escondendo a Palavra no coração para não pecar contra Deus.


Mas parece que, na maioria das vezes, não é tão fácil discernir, de antemão, se um projeto é "de Deus" ou "dos homens". Não, não é... Mas quer saber? Talvez não precisemos ter essa certeza absoluta lá no início... Pra quê? Acho que queremos essa certeza só pra estarmos certos de que vai tudo correr como imaginamos. Mas a vida não é assim. Na verdade, nem quando o projeto é "de Deus" purinho! A ideia é boa? Não é contrária a nenhuma direção clara já dada por Deus antes? Temos o que precisamos para começar (para começar, não para terminar)? Tenho humildade suficiente para fazer adaptações ao longo do processo? Tenho humildade suficiente até para admitir que foi uma péssima ideia ao longo do processo? Então, por que não começar?

A questão maior não está em o projeto ser "de Deus" ou não. A questão é: como está esse coração que concebeu o projeto? É humilde ou prepotente? Submisso ou rebelde? É o dono da verdade ou segue a verdade? Porque, ao final, é isso que fará a diferença! Voltando a imaginar, se Hiel tivesse um coração humilde e disposto a aprender, poderia ter poupado muita dor, mesmo tendo tido uma ideia tola.

Que nossos corações sejam como de crianças: livres para criar coisas impensadas e, ao mesmo tempo, simples o suficiente para não se apegar a nenhuma delas!
 
Banksy
 

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Não tenho mais os pés de Jesus para ungir - Mc 14.6-8


Essa passagem é muito conhecida de todxs nós. Uma mulher pecadora chega onde não foi convidada e, num ato de adoração extravagante, se derrama aos pés de Jesus. E ali, aos pés dele, ela derrama suas lágrimas e seu perfume caro, sua riqueza. Os discípulos e outros que estão com Jesus a criticam no seu íntimo, afinal, ela não havia sido convidada... Ela era uma mulher... Ela era pecadora... Ela desperdiçava o que poderia ser gasto com os pobres... Ela era inconveniente.

Sempre admirei essa mulher e sempre fui muito edificada por essa passagem. Foi através dessa passagem que, pela primeira vez, fui desafiada a me despir de pecados ocultos. Foi através dessa palavra que me vi desafiada a me derramar completamente aos pés de Jesus. Foi através dessa palavra, num momento pessoal de adoração, que me vi chamada a andar junto com os pastores responsáveis por conduzir a adoração na minha igreja - posição essa que hoje eu e meu esposo ocupamos. Essa passagem sempre foi muito importante na minha caminhada cristã.

Hoje, uns dez anos após meu primeiro contato marcante com essa passagem, me encontro diante dela novamente. Mas ela não parece a mesma. Apesar de me inspirar as mesmas coisas que antes, parece me mostrar um caminho diferente para alcança-las. E isso por um simples motivo - eu não tenho mais os pés de Jesus para ungir! Na verdade, nunca tive. Mas sempre procurei viver essa mensagem como se tivesse Jesus aqui para ter seus pés lavados pelas minhas lágrimas. Mas não tenho. Tudo o que tenho hoje são os pobres.

Derramar suas lágrimas e sua riqueza aos pés de Jesus foi louvável, foi digno de honra, justamente porque ter o corpo dele ali era temporário. Jesus disse: "Ela fez para mim uma coisa muito boa. Pois os pobres estarão sempre com vocês e, em qualquer ocasião que vocês quiserem, poderão ajuda-los. Mas eu não estarei sempre com vocês" (vs. 6,7 - NTLH).

Não tenho mais os pés de Jesus para derramar lágrimas e riquezas. Mas tenho os pobres. Aquela mulher fez o que deveria fazer naquele momento. Priorizou o que deveria ser priorizado. Hoje sou inspirada a fazer o mesmo. Ainda sou inspirada a ser uma adoradora extravagante, mas o caminho não me parece mais ser o mesmo... Não me parece que seja chorar num momento de adoração e intimidade, pela presença sensível do Espírito Santo... Pelo menos, não apenas. O caminho que tem se apresentado para viver essa mensagem são os pobres. Afinal, eles estão aí! E não apenas os pobres pela ausência de dinheiro, mas pela ausência de atenção, de cuidado, de misericórdia, de esperança... Eles continuam aí.

E hoje, diferente de todas as outras vezes que li essa passagem, me parece que o melhor caminho de vive-la não seja me ajoelhar... Até me ajoelho, em oração, derramo minhas lágrimas em favor dos pobres. Mas, em seguida, preciso me levantar, porque também preciso derramar minhas riquezas. Meus talentos, dons e bens, devem ser derramados em favor deles.

Acho que percebo, enfim, que posso viver o que aquela pecadora viveu com apenas uma diferença: não toco Jesus fisicamente. Toco Jesus apenas quando consigo tocar os pobres.