Hiel pode ter
pensado: "Tô sentindo de Deus um chamado para uma grande obra: Serei
aquele que vai reconstruir Jericó! Oh, glória!". E fez tudo para realizar
seu projeto. Enfrentou dificuldades, com certeza. Deve ter tido que "orar
e jejuar" muito, porque essa não era uma tarefa fácil. Além disso, vez ou
outra, se levantava um invejoso, enviado do inimigo, sem visão nenhuma, dizendo
que aquele projeto não era de Deus! Vê se pode! Hiel deve ter pensado: Deus nos
deu Jericó. Ela é nossa! Vou reconstruir os muros pra todos verem que tomamos
posse da herança que Deus nos deu! Imagino que quando, na colocação dos
alicerces, seu filho mais velho morreu, ele deve ter pensado: "Que
batalha! Mas quando o inimigo se levanta é porque estamos no caminho
certo!" E continuou. Cheio de fé. E, com muita luta, e mais algumas
perdas, concluiu a obra que Deus havia posto em seu coração. #sqn
Só que não
mesmo. Óbvio que a história acima é pura imaginação. Mas poderia ter sido
assim. Na verdade, essa história acontece, exatamente dessa maneira, muitas
vezes em nosso tempo. De repente, um projeto vem ao nosso coração para ser
realizado e, quase que imediatamente, o atribuímos a Deus. Como se, assim,
automaticamente, os nossos desejos, as nossas ideias, fossem as ideias de Deus.
Como se não pudéssemos ter ideias nossas mesmas. Como se tudo que pensamos
fosse inspiração divina... E aí, tomando como verdade que aquela ideia é de
Deus, interpretamos tudo que acontece a nossa volta a partir dessa
"verdade". Os críticos, os que são contra, são enviados do inimigo
para nos fazer desistir. As situações contrárias, os fracassos da caminhada,
são armadilhas do inimigo para nos fazer parar. As lutas, as perdas, tornam-se
indicações de que o inimigo está furioso conosco...
Quando ouço
argumentos desse tipo fico a pensar em quais seriam as explicações se tudo
desse certo. Se as coisas fluíssem, se a maioria aderisse à ideia, se não
houvessem perdas... Provavelmente as explicações seriam semelhantes, como algo
do tipo: "viu como Deus está nesse negócio!" resumindo, as
circunstâncias, boas ou ruins, não são um carimbo de aprovação ou rejeição de
Deus. Até podem ser, mas o fato é que posso interpretá-las como eu quiser!
Então, se meu coração está todo cheio de si mesmo, vou sempre interpretar as
situações segundo minha própria vontade!
Mas eu quero
chamar atenção aqui para outro ponto. A ideia, o projeto. O problema, a meu
ver, não está em ter uma ideia, um projeto - podemos tê-los! E os teremos! Deus
nos deu ma capacidade criativa espetacular. Podemos ter uma ideia abençoada,
mas ela não é, necessariamente, um mandato divino! O problema é que atribuímos,
precipitadamente, a Deus coisas que são nossas, humanas, mas que não deixam de
ser benção por isso!
Pois, a meu
ver, existe uma diferença entre: "Deus me deu um projeto a realizar!"
e "Tive uma ideia e quero realizar!". No primeiro caso, estou
incumbida de um mandato divino. E tudo que se levantar contra o projeto que
estou realizando está se levantando contra o próprio Deus! O que pode brotar de
uma situação dessas? Prepotência, inimizades, disputas, egocentrismo... E o
pior, o nome de Deus tomado em vão. Porque, se ao final, há o fracasso, o nome
de Deus é que fica ridicularizado.
No segundo
caso, por outro lado, tive uma ideia que quero realizar. Ela pode dar certo ou
não. Ao longo do processo posso claramente identificar que aquilo não era tão
bom quanto eu tinha imaginado. Ou posso, ao longo do processo, receber lampejos
da revelação divina que tornarão o projeto inicial cada vez mais abençoador. O
que pode brotar disso? Humildade, submissão ao senhorio de Deus, relacionamento
(posso ouvir o outro, inclusive as críticas), entre outras coisas boas. Acho
que o pior fruto, o "fracasso" completo, também geraria coisa boa:
aprendizado!
Mas o Hiel, lá
da história, deu mole demais! Já estava escrito que esse projeto não daria
certo. Já estava lá que não era de Deus! Qualquer um, ao final, poderia
levantar a plaquinha: "Eu já sabia!" Muitas vezes podemos poupar
choro, sofrimento, fracassos, frustrações, "só" lendo a Bíblia,
guardando as profecias (antigas e contemporâneas), só escondendo a Palavra no
coração para não pecar contra Deus.
Mas parece
que, na maioria das vezes, não é tão fácil discernir, de antemão, se um projeto
é "de Deus" ou "dos homens". Não, não é... Mas quer saber?
Talvez não precisemos ter essa certeza absoluta lá no início... Pra quê? Acho
que queremos essa certeza só pra estarmos certos de que vai tudo correr como
imaginamos. Mas a vida não é assim. Na verdade, nem quando o projeto é "de
Deus" purinho! A ideia é boa? Não é contrária a nenhuma direção clara já
dada por Deus antes? Temos o que precisamos para começar (para começar, não
para terminar)? Tenho humildade suficiente para fazer adaptações ao longo do
processo? Tenho humildade suficiente até para admitir que foi uma péssima ideia
ao longo do processo? Então, por que não começar?
A questão
maior não está em o projeto ser "de Deus" ou não. A questão é: como
está esse coração que concebeu o projeto? É humilde ou prepotente? Submisso ou
rebelde? É o dono da verdade ou segue a verdade? Porque, ao final, é isso que
fará a diferença! Voltando a imaginar, se Hiel tivesse um coração humilde e
disposto a aprender, poderia ter poupado muita dor, mesmo tendo tido uma ideia
tola.
Que nossos
corações sejam como de crianças: livres para criar coisas impensadas e, ao
mesmo tempo, simples o suficiente para não se apegar a nenhuma delas!
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Banksy |
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